• Gênero e Prisão

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    Para compreender de que forma o cárcere afeta a vida das mulheres, é preciso ouvi-las.

     

    As mais de 37 mil mulheres que, segundo o Infopen de 2019, encontram-se encarceradas no Brasil têm nome, sobrenome, família, aspirações, sonhos e medos. Em entrevista ao ISER, Joyce Gravano divide sua experiência como mulher que passou pelo sistema: presa em 2012, foi vítima de tortura e ficou 70 dias em prisão provisória, até que foi colocada em liberdade devido à falta de provas.

     

    Infelizmente, ela é uma dentre muitas e muitas outras atingidas injustamente pela violência da prisão. Se tivesse passado por uma audiência de custódia, seu caso poderia ter tido um destino completamente diferente.

     

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  • Mulheres e sistema prisional

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  • Encarceramento feminino em dados

     

    O primeiro levantamento nacional de informações penitenciárias com foco exclusivo no encarceramento de mulheres, Infopen Mulheres 2014, chamou atenção para a curva ascendente do encarceramento feminino no Brasil, ainda mais acentuada que o encarceramento de homens. No período de 2000 a 2014, o aumento da população feminina no sistema prisional foi de 567,4%, enquanto a média de crescimento masculino, no mesmo período, foi de 220,20%.

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    Segundo dados de 2016, em torno de 62% dessas mulheres possuem vinculação penal por envolvimento com o tráfico de drogas (Lei 11.343/2006), um crime sem violência. A maioria delas ocupa uma posição coadjuvante nesse tipo de crime, realizando serviços de transporte de drogas e pequeno comércio; muitas são usuárias, sendo poucas as que exercem atividades de gerência do tráfico. Crimes contra a pessoa representam 6% dos casos de condenação ou prisão provisória de mulheres, enquanto os crimes contra o patrimônio somam 22% dos casos.

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  • Percebe-se que o encarceramento feminino obedece a padrões de criminalidade distintos, se comparados aos do público masculino. Enquanto 26,5% dos crimes pelos quais os homens respondem estão relacionados ao tráfico, para as mulheres essa proporção é consideravelmente maior, 62%. Por outro lado, o número de crimes contra o patrimônio registrados para homens (270.818 ocorrências) é trinta e três vezes maior do que para mulheres (7.991 ocorrências). Coerentemente, os dados revelam que 29% do tempo total de pena da população prisional feminina é de até quatro anos. Acumulada com outros requisitos legais (nos termos do art. 44 do Código Penal), boa parte das penas aplicadas às mulheres seriam passíveis de conversão para penas restritivas de direitos, com a necessária ponderação dos princípios da individualização, necessidade e proporcionalidade da pena.

    Além destas mulheres, em sua maioria, trabalharem em pequenas atividades do
    varejo do tráfico e do transporte nacional e internacional de drogas, outros fatores em comum podem ser destacados: 65% têm apenas o ensino fundamental; 50% têm entre 18 e 29 anos; 62% (duas em cada três presas) são negras. No Rio de Janeiro, conforme INFOPEN Mulheres, a proporção é de 65% de mulheres negras; 62% são solteiras; em sua maioria não possuem antecedentes criminais; têm dificuldade de acesso a empregos formais; a maior parte delas é mãe e cumpre pena em regime fechado. A baixa escolaridade se reflete diretamente na renda familiar, em torno de um saláriomínimo, bem como nos seus empregos, na maioria, informais ou ilícitos.

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    Maternidade e cárcere

     

    Ainda segundo o Infopen 2016, enquanto metade dos homens privados de liberdade não têm filhos, entre as mulheres a cifra é bem distinta: 74% têm pelo menos 1 filho. Considerando os impactos que a prisão dessas mulheres pode acarretar nas famílias, esse dado precisa ser considerado no momento de avaliação da aplicação da prisão preventiva ou liberdade provisória.

     

    Em sintonia com os preceitos do Marco Legal Da Primeira Infância e do Estatuto Da Criança E Do Adolescente, uma vez sendo decidido pela manutenção da prisão provisória, é fundamental, antes da entrada no sistema prisional, que a mulher ou pai responsável pela guarda dos filhos tenham garantidos meios para se comunicar com seus filhos e/ou outras pessoas que atuarão na proteção e bem-estar das crianças e adolescentes impactados pela prisão. Em última instância, trata-se de garantir os direitos e a proteção integral das crianças e adolescentes diretamente afetados.

  • É necessário avaliar o impacto direto e extremamente danoso que a retirada repentina, especialmente de mulheres com  filhos, representa, nos contextos familiares e comunitários, muitas vezes já fragilizados.

    Os direitos das presas grávidas ou com filhos pequenos deve ser garantido!

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    Marco Legal
    da Primeira Infância

    (Lei 13.275/2016)

    Expandiu as hipóteses que possibilitam a substituição da prisão preventiva pela domiciliar, constantes do artigo 318 do Código de Processo Penal, contemplando as mulheres grávidas
    e aquelas que possuam filhos e filhas
    menores de 12 anos.

    Regras
    de Bangkok

    Penas não privativas de liberdade para as mulheres gestantes e mulheres com filhos/as dependentes serão preferidas sempre que for possível e apropriado, sendo a pena de prisão considerada apenas quando o crime for grave ou violento ou a mulher representar ameaça contínua, sempre velando pelo melhor interesse do/a filho/a ou filhos/as e assegurando as diligências adequadas para seu cuidado
    (Regras de Bangkok, 2016, Regra 64)

    Habeas Corpus
    Coletivo

    Em fevereiro de 2018, o STF concedeu o Habeas Corpus Coletivo (HC 143641) para gestantes ou mães de crianças de até 12 anos ou de pessoas com deficiência, determinando a substituição da prisão preventiva pela domiciliar.

    Para acessar
    a íntegra do voto,

    clique aqui

    Lei 13.769/2018

    Determina a substituição da prisão preventiva por
    domiciliar para gestantes, mães ou responsáveis por crianças ou pessoas com deficiência, e estabelece normas para o cumprimento de regime das mulheres condenadas.
  • Papéis sociais de gênero e violações na prisão

     
    Algumas violações, como o estado das celas, segue o padrão de descasos do sistema prisional, enquanto outras demandas são bastante específicas das mulheres. Mas a ausência de um olhar específico para as mulheres privadas de liberdade resulta na ausência de políticas públicas eficientes e direcionadas.
     
    O Mecanismo Nacional De Prevenção E Combate À Tortura tem registrado, após as visitas preventivas realizadas em unidades prisionais femininas, a preponderância das seguintes violações de direitos relativas ao encarceramento feminino:

     

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  • Na prisão do “não”, como explica Joyce Gravano, diferente dos presos homens – que frequentemente recebem visitas – a maior parte das mulheres relata não ter recebido nenhuma visita de seus familiares e amigos. Também as mulheres casadas tendem a não receber visitas de seus maridos ou companheiros, o que corrobora a visão de que as mulheres presas se desviaram do seu “papel como esposa”.

     

    O Projeto “As violações de direitos das mulheres presas no Brasil”, do Inegra – Instituo Negra do Ceará traz uma importante contribuição e reflexões sobre esse debate, inclusive com elaboração de uma cartilha:

    […] numa sociedade sexista está delegada às mulheres
    a tarefa de cuidar e negada a possibilidade de subverter a ordem do que estão destinadas a ser. Nesse contexto, as mulheres presas são abandonadas, esquecidas, por serem consideradas subversivas.

    (Sarah Nobre, do Inegra – Instituto Negra do Ceará, 2017)

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    O Projeto ‘Mulheres em Prisão,’ realizado pelo ITTC, evidencia que a mulher encarcerada no Brasil enfrenta todos os problemas de um sistema carcerário negligente, como também uma forte discriminação por ser mulher e por não estar inserida num contexto de privilégios de classe.

     

    Segundo os achados centrais do projeto, o aprisionamento da mulher representa o pagamento de uma pena pelo seu gênero, pela sua cor e pela sua classe social. Clique aqui para acessar relatório do Projeto sobre desafio e possibilidades para reduzir a prisão provisória de mulheres.

     

    Além de toda a situação degradante e do recorrente abandono familiar, decisões judiciais são carregadas de julgamentos morais contra as mulheres, como na seguinte decisão de um magistrado:

     

    “embora ela tenha dois filhos menores de doze anos, certo é que tudo leva a crer que, no dia dos fatos, não estava dispensando os cuidados aos filhos, sobretudo porque sua prisão já se deu após a meia-noite, quando se presume que seria a hipótese de estar em casa amparando os infantes”
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